segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Nos braços do Cristo

Subir o Corcovado não estava no programa, nem ver o Cristo Redentor coberto quase até os joelhos por uma tela de proteção dessas de construção. Mas quis acompanhar minha jovem companheira de trabalho nessa aventura em sua primeira viagem ao portão de acesso do turismo brasileiro. E se tratava de mostrar a ela cartão postal mais famoso da Cidade Maravilhosa, sem falar no fato de sempre admirá-lo, de longe ou perto, com a mesma fascinação de quando ainda era uma menina, a cada passeio na Zona Sul da minha cidade.
Dessa vez vi macacos barulhentos fazendo graça para quem compava ingressos de R$ 14,00 para pegar o transporte até lá. Calor sem sol no Rio, uma francesa espirrando dentro da van fechada por causa do ar condicionado. Me bateu a neura. Lembrei da "etiqueta da tosse", que serve pro espirro também, essa que a Vigilância Sanitária distribuiu em cartazes por tudo quanto é lado. Nem um lenço de papel pra segurar aquelas borrifadas de vírus a turista tinha em mãos. Tudo bem, aos pés do Cristo, rezei pra não ser contaminada. Minha colega fotógrafa, com o frescor de seus vinte e poucos, nem aí pro H1N1. Nessa idade ainda não se tem medo de morrer. Fui no embalo. Subimos sem parar pra averiguar as lojinhas no caminho até os pés do Senhor. O Cristo estilizado em acrílico, em cores primárias era uns R$ 45,00 e tinha mais a minha cara.
Que miragem, o Rio pequenino era a maquete do arquiteto do mundo diante dos nossos olhos. Aí todos os clichês sobre o cidade mais bonita do Brasil vieram à tona, muitas nem nos demos ao trabalho de expressar, ficaram no limbo entre o pensamento e as palavras. Aliás, ficamos um bom tempo sem dizer nada, só admirando tudo. Pra mim, foi como um reencontro com minhas origens, em todos os sentidos. Com o Rio e com o Cristo.
Não, não fizemos fotos. Preferi ficar com as lembranças do que meus olhos registraram e as emoções que senti dessa vez. Na volta, que sufoco, a francesa embarcou na mesma van. Jesus, me acode. Tudo bem, não espirrou. Mas minha colega de trabalho, naquele meio período de nossa folga na cobertura de uma grande feira de turismo, não quis perder a chance de ver mais Rio de cenário de novela e cinema. Tá bom, vamos ver os Arcos da Lapa.
Descemos morro abaixo por um caminho alternativo. Isso no Rio é meio arriscado, especialmente para quem não conhece a cidade. Logo percebemos o rumo equivocado, descíamos por uma favela e fomos avisadas de cara por um morador: " aí, a bala tá comendo". Vamos voltar, então, isso não é um favela tour. Tarde demais. "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", avisou o senhor de lá do portão. Mandou a gente descer "na manha, a uns 20km/h". Seguimos adiante fazendo cara de quem não estava fugindo de nada e nem tinha nada a ver com o confronto entre traficantes. E era verdade, mas quem garante que ia colar?
Na curva seguinte, uma moto com dois caras abre caminho pra outra com os "soldados" armados. Nunca tinha visto uma metralhadora de tão perto, gelei. Minha colga de trabalho, aos vinte e poucos, experimentou, pela primeira vez, o tal medo de morrer. Fez tudo ao contrário do recomendado pelo velho morador do morro carioca. Apavorada, deitou no banco, mas não chamou a atenção. Eu, imóvel, pedi ao Cristo: Senhor, ainda estamos em teus braços, faça com que sejamos invisíveis aos olhos desses homens e as miras de suas armas. Em menos de cinco minutos avistamos os Arcos da Lapa.