domingo, 5 de dezembro de 2010

De tween pra tween

Minha amiga certa vez me contava que uma sobrinha dela, ao passar pela vitrine de uma loja que exibia um boneco de Michael Jackson, ainda menino, não acreditou se tratar do ídolo pop que conhecia.
- Tia, mas esse menino é negro e o Michael é branco!
Reorganizando os vinis que herdei de meu pai dia desses, encontrei os meus do Menudo e chamei minha filha para apresentar-lhe os Jonas Brothers da minha época.
 - Filha, esse aqui é o Ricky Martin, aquele que canta Vive la vida louca.
Custei para convencê-la de que era mesmo o tal, aquele baby face da capa do bolachão.
 - Filha, quer para você esses discos? Eu te dou, herança em vida, que nem meu pai me deu esses dos Beatles, Jimmy Hendrix, Roberto Carlos, Bone M, Village People, todos que você já conhece.
 - Mãe, não fica chateada, mas eu não quero.
Tá certo, Menudo e Jonas Brothers não são lendas como Hendrix e Beatles. E ídolos tweens não têm o mesmo peso que os da juventude. Mas rendem boas lembranças. Contei para ela quem era o "meu Menudo", sobre minha coleção de revistas, pôsters, camisetas e tantas outras tranqueiras colecionáveis que a indústria desepejava no mercado para devorar o dinheiro dos pais das fãs do quinteto porto-riquenho, e que transformaram meu quarto de criança em quarto de pré-adolescente. 
Não pude deixar de relatar a passagem mais fantástica dessa fase: minha ida ao show do grupo em Curitiba. Foram 30 dias de campanha, meus pais não cediam, minhas colegas do fã clube (sim, eu frequentava um aos sábados!) e da escola já estavam com seus lugares na excursão garantidos e eu naquela batalha incansável. Quando quero algo, não desisto facilmente. Tinham medo de me soltar sozinha, no meio de um bando de meninas loucas e uma monitora num dos cinco ônibus reservados pelas organizadoras da excursão. Mas aí, quando faltava uma semana para o show, eu venci. Só que tive de pagar o mico de ir acompanhada pelo meu pai. Não parava de pensar em como eu poderia gritar "Charlie eu te amo!" com ele ali, bem do meu lado, no gramado do Couto Pereira. Quem sabe ainda teria uma outra chance, ganharia alguma das promoções das quais participava, tipo faça tal coisa e concorra a uma viagem a Porto Rico para conhecer o Menudo.
Sem me surpreender, meu pai foi bem bacana, mais do que a monitora de óculos fundo de garrafa, silhueta e rosto de Olívia Palito. Tratou logo de acirrar a disputa entre a meninada, inventando um concurso para dar nome a cada um dos ônibus. Fiquei doida porque no nosso ônibus Robby tinha o maior número de fãs (aliás, ele era o Menudo mais admirado) e tive de trair meu Charlie, viajando no ônibus do "outro" Menudo. Até aí tudo bem. Pior foi aturar duas tagarelas atrás de mim falando dele (do meu Menudo). Elas votaram comigo no Charlie, mas fomos minoria.
Se eu já soubesse que os pensamentos tinham poder de movimentar energias do universo, não teria amarrado aquele bode. Na parada seguinte, lá foi meu pai comprar lanche para nós. Recolheu o dinheiro de todo mundo e saiu com os pedidos anotados. Menos o meu, porque sabia de cor. Dei a primeira dentada no meu sanduíche e pensei que fosse cair durinha no corredor do ônibus. Meu pai esqueceu da minha total aversão a maionese, que carreguei comigo até uns 15 anos. Como não podíamos voltar, tive de me contentar com uns biscoitos. Ainda me restava tudo o que eu tinha planejado: dançar as coreografias e cantar todas as músicas do Menudo, ver Charlie, mesmo de longe, e, quem sabe, me declarar para ele. Bom, chegamos no estádio, compramos foto, camiseta, botton. Quando os portões se abriram, invadimos o campo. Meu pai seguiu o fluxo também. Comprou uma garrafa de água mineral e avisou:  -Vou ficar aqui, bem dentro da trave, sentado. Quando o show acabar, você me encontra aqui, certo?
E eu achando que amava o Charlie. Meu pai sim, era o cara mais legal do mundo e eu já sabia disso. O show começou. Pulei feito pipoca, chorei feito um bebê, cantei todas as canções até ficar rouca. Foi então que resolvi tentar colocar meu plano em prática. Estava com a barriga grudada na cerca que nos separava dos vips com ingresso de pista no gargarejo. Então, vi uma menina desmaiar a ser levada para lá. Não pensei duas vezes.
- Moço, por favor! Chamei aos prantos.
- O que foi minha filha? Perguntou o homem.
 - Meu pai tá aí, mas eu pulei pra cá porque vi uma amiga, agora tô perdida.
 -Como você conseguiu isso? Duvidou.
 - Ninguém viu, me desculpe, me ajuda, por favor.
Liberada pelo segurança, passei pelo acesso ao lado e segui em direção ao gargarejo. Meu coração parecia querer saltar pela boca. Mais de medo pelo que acabara de aprontar do que pela emoção de ver Charlie de perto. Então, quando num giro pelo palco ele parou bem diante de mim, falei baixinho "Charlie, eu te amo" com os olhos cheios de lágrimas e certa de que ele leria meus lábios. Ganhei um sorriso. Voltei para a cerca, pedi para sair e nem tive de me explicar. Acho que o segurança sabia o tempo todo que eu só queria ir lá na frente e pode até ter considerado que eu merecia. O universo conspirou a meu favor, não importa. Quando o show acabou, lá estava meu pai sentado dentro da trave, a minha espera. Obrigada pai, cause if you not here, by my side...