sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Cidadaniazinha

Hoje a pequena Buda realizou seu desejo de dias atrás. No rádio do carro, tínhamos ouvido que o pessoal do Censo bateria às portas das casas. Claro que tive de explicar o que o noticiário matinal não havia esclarecido em quase 10 indagações, sempre seguidas de "mas, por que?". Achei que ela tinha esquecido ou desistido, pensando que talvez em nossa casa o censo poderia não vir. Assim como eu, que jamais fui abordada por pesquisa nenhuma das que já citei ou vi em reportagens e muitas vezes até duvidei de sua existência.
Ivy, uma jovem de baixa estatura com óculos e sorriso de Velma apareceu do outro lado do olho mágico na porta. Agradecemos sua visita e fomos logo querendo conferir a nova tecnologia que o IBGE colocou nas mãos dos recenseadores. Disputamos o lugar no sofá ao lado dela e, claro, cedi à curiosidade da moradora de oito anos e sentei-me diante da "perguntadora". Com os olhos grudados no palm top que Ivy trazia, a pequena Buda largava na frente em todas as respostas. Não tive quase nenhuma chance e, ao mesmo tempo, senti uma alegria danada ao vê-la tão espertinha indicar ao governo que políticas adotar para melhor nos atender.
- Quantos vivem aqui?
- Três. Eu, minha mãe e um cachorro.
Mr. Fedoreza grudou a fuça no vidro para dar credibilidade à dona-mirim. A moça sorriu delicadamente e registou no aparelhinho azul.
Terminado o questionário, foi a pequena Buda quem perguntou.
- No rádio falaram que sua visita demoraria 40 minutos. Você já acabou?
Ivy sorriu novamente e explicou que o sistema escolhe qual questionário ela deve aplicar, tão logo é acionado na residência. E que, mesmo que fosse o mais longo, a visita demoraria uns 15 minutos no máximo. Então, ofereci algo para a moça. Ela aceitou água e, antes mesmo de me devolver o copo, foi surpreendida pela apresentação do morador de número três. Eu sabia que não escaparia dessa.
- Deixa ela conhecer o Pepê, mãe.
Como hoje não foi dia de banho semanal, fiquei meio envergonhada, mas permiti. Pronto, a visita acabou.
- Tchau Ivy, boa sorte no seu trabalho e até outro dia.
Depois ficamos as duas imaginando um censo para os animais. Afinal, Mr. Fedoreza tem residência própria, adquirida no início desse ano e já quitada. Mas será que ele nos citaria no questionário do censo dele? Acho que não. A cidade ideal do cachorro, pelo que lembro da canção de Chico Buarque em Os Saltimbancos, tem um poste por metro quadrado, mas não seres humanos.