quarta-feira, 24 de março de 2010

Is not a toy!

Atropelada pela rotina, deixo minha programação da semana fixada em quadradinhos de papel na mesa de trabalho, na capa de uma agenda que carrego na bolsa ou presa por imã na geladeira. Só percebo quanta coisa não pude fazer lá pela sexta-feira.  E sempre são as coisas mais legais, como a estréia de Luiz Henrique no Balanço do Mar, o filme da Ieda Beck, ali no Centro, promovido pela Cinemteca Catarinense no Centro de Floripa e eu não pude ir. Tudo bem, oportunidade não faltará para ver o manezinho bossa nova sob o olhar dessa brilhante cineasta catarinense que partiu há dois anos.
Moro aqui perto da curva onde Luiz Henrique (também) se despediu da vida, depois de grandes aventuras pelo Brasil e o mundo, só no banquinho e violão. Minha filha já tem a história do artista na ponta da língua, conta sempre que falamos o nome do nosso condomínio para alguém (é uma homenagem a Luiz Herinque Rosa). Sabe também que o trabalho dele, quando retomou a vida na Ilha, era ali na frente, no Armazém Vieira. Inclui tudo isso no seu script sobre o artista. Ontem, feriado (a escola já não funcionou na segunda e deixo aqui  meu protesto de mãe trabalhadora!) ela encontrou Luiz Henrique ao percorrer a feira de integração multicultural catarinense ali no Centrosul comigo.
 - Mamy, olha o Luiz Henrique Rosa!
Fiquei impressionada com as reações dela ao deparar-se com o que já conhecia, de leituras, vivências e do aprendizado na escola.
 - O Cruz e Sousa! Não sabia que ele era assim.
 - Isso é uma Nau, você sabia Mamy? Só que essa não é das maiores.
 E o Meyer Filho, a baleia Franca, os cânions, o zoo de Pomerode, o traje típico alemão, a Festa do Divino, os bailarinos do Bolshoi. Ela deu um show, poderia bem ser monitora da mostra.
 Parou diante do inseto e perguntou (não teve paciência para ler o painel, claro)
 - O que esse grilo gigante faz aqui?
Era  o entomologista Fritz Plaumann (que fez Seara tornar-se uma referência no estudo de insetos). Resumi a história  para ela e esperei pela réplica.
 - Ah, legal.
Pareceu que tudo o que falei ou mostrei foi nada. Realmente muito pouco interessante naquela hora. Mas sei que ficou o registro, que ela vai puxar o arquivinho, quando a professora chegar nesse capítulo do livro. Corro para cobrir um painel sobre políticas públicas para o turismo e, quando vejo, ela está de caneta e papel ao meu lado, sentada, anotando tudo, exatamente como eu.
 - Você tá copiando tudo da tela, né mãe?
 - Não filha, tô anotando coisas que o palestrante fala pra depois fazer minha matéria, palavras-chave, frases, ideias.
Olhou para meu bloco, caligrafia e sinais indecifráveis, escolheu copiar o que estava projetado no telão. Perdi o controle do que ela degustava saltitando pelos estandes das regiões turísticas (bolachas caseiras de montão!) carreguei uma megasacola de brindes, cupons para concorrer a viagens, tudo o que ela recolheu na feira de turismo. Ajudou os colegas da sala de imprensa a acessar o computador, que obviamente já havia fuçado e, portanto, sabia que não carecia de senha para entrar. Ensinou o atendente do quiosque de comida típica italiana o que era molho a matriciana (ela queria esse no seu talharim, mas só tinham molho a bolonhesa e não sabiam que catso! era esse tal matriciana) e me fez ficar da cor de um pimentão.
 - Agora vamos embora?
 - Você ainda precisa dormir hoje na vovó, trabalho aqui muito cedo amanhã.
 - Só queria saber quando volto a dormir em casa...
Tá vendo filha, essa profissão não é brincadeira.

terça-feira, 23 de março de 2010

Obrigada, obrigada, obrigada


Cinco da matina meu celular desperta esse corpo cansado da labuta até tarde (visitem o I Salão catarinense do Turismo lá no Centrosul até sábado, é muito bacana) e qual minha surpresa? Compromisso profissional adiado, nem penso em voltar para a cama. Afinal, é aniversário de Floripa, essa querida companheira, berço aconchegante que acolheu a carioquinha aos quase seis anos. Me embalou tão carinhosamente e me fez ser grata pelo resto da vida aqui na Terra. Floripa, linda, misteriosa, solar, paciente, me abraça que eu te abraço também. É cedo, a baía Sul está calma, parece exclusiva daqui de cima. Sou grata a você, natureza. Me espera, vou aí te ver mais de perto, te admirar, deixar teu manso mar me inundar, teu verde me pintar, teu som me embalar.
E lá estava eu, caminhando sobre o trapiche até o meio do mar, meu tapete imaginário para sobrevoar a imensidão. Pouco a pouco minha mente começa a se esvaziar. O nada depois do tudo que vejo, somente sentimentos bons e puros, o simples contemplar do movimento da vida é um presente de Deus, do Universo. Obrigada, obrigada, obrigada. Sem as lentes dos meus óculos tudo fica ainda melhor, as águas parecem escoar para dentro de mim, meus olhos não possuem filtros e recebo toda aquela energia de vida que vem do oceano, do céu. Obrigada. Quero um pouco mais, minha respiração é calma, relaxante, um sono desperto toma conta de mim, não sei se isso é o que posso chamar de Nirvana (lá, onde o vento do carma não sopra) só sei que me faz bem e o desejo a cada dia mais e mais. Aspirações gerais do bem viver (ensina Hermann Hesse) não se dirigem mais ao Buda ou Lao Tse do que à Ioga. O ser humano pode cultivar o que bem entender, ser o senhor de sua alma.
Peixes, pássaros, pessoas (já cantam os The Darma Lóvers) são únicos nessa harmoniosa paisagem, eu os amo, eles me amam também. Isso é o que me supre. Obrigada, seja plena e para sempre viva esta Ilha.

domingo, 21 de março de 2010

Simples vida

Sabedoria é algo que não se guarda, se aplica e se dissemina. Adorei esse texto de Malba Tahan (Júlio César de Melo) um matemático que mergulhou na cultura oriental e, a partir da ciência exata, criou uma inusitada narrativa, a exemplo dessa que segue.

Era uma vez um rei que disse aos sábios da corte:


_ Estou fabricando um precioso anel. Adquiri um dos melhores diamantes possíveis. Quero esconder dentro do anel uma mensagem que possa me ajudar em momentos de desespero total e que ajude meus herdeiros e os herdeiros de meus herdeiros para sempre. Tem que ser uma mensagem pequena, que caiba debaixo do diamante do anel.

Todos que escutaram eram sábios, eruditos, que poderiam escrever grandes tratados, mas, uma mensagem com não mais de duas ou três palavras que pudessem ajudar em momentos difíceis…

Eles pensaram, procuraram em livros, mas não puderam achar nada.

O rei tinha um velho criado que também tinha sido criado de seu pai. A mãe do rei morreu cedo e este criado havia cuidado dele, então era tratado como se fosse da família. O rei sentia um imenso respeito pelo velho homem, de forma que também o consultou. E este lhe falou:

_ Não sou sábio, nem erudito, nem um acadêmico, mas conheço uma mensagem. Durante minha vida no palácio, conheci todos os tipos de pessoas e, em uma ocasião, conheci um místico. Era convidado de seu pai e estava a seu serviço. Quando, com gesto de agradecimento deu-me esta mensagem, o velho homem escreveu em um pequeno papel, dobrou e entregou ao rei. _ “Mas não leia.” - disse ele - “Mantenha-o escondido no anel, somente abra quando não tiver outra saída”.

Esse momento não tardou a chegar. O seu Reino foi invadido e o rei perdeu a batalha. Estava escapando em seu cavalo e seus inimigos o perseguiam. Estava só, e seus perseguidores eram muitos. Chegou em um lugar onde o caminho havia acabado, totalmente sem saída. Na frente havia um precipício com um vale profundo, cair seria o fim. Não podia voltar, porque o inimigo havia fechado o caminho. Já se podia ouvir o barulho dos cavalos. Não podia continuar e não havia outro caminho.

De repente lembrou-se do anel. Abriu-o, tirou o papel e lá encontrou a mensagem pequena, tremendamente valiosa, que, simplesmente, dizia:

“Isto também passará”.

Enquanto lia a mensagem, sentia que caía sobre ele um silêncio. Os inimigos que o perseguiam deveriam ter se perdido na floresta ou se enganado de caminho. O certo é que pouco a pouco deixou de escutar os cavalos.

O rei sentia-se profundamente grato ao criado e ao místico desconhecido. Aquelas palavras eram milagrosas. Dobrou o papel, pôs novamente no anel, juntou seus exércitos e reconquistou o Reino.

No dia em que entrou novamente vitorioso no palácio, tinha uma grande celebração, com músicas, danças… e ele sentia muito orgulho de si mesmo.

O velho criado estava ao seu lado na carruagem e falou:

_ Este momento também é adequado, olhe novamente para a mensagem.

_ Por quê? Agora eu sou vitorioso, as pessoas celebram minha volta, eu não estou desesperado, não estou em uma situação sem saída.

_ Escute-me - disse o velho criado - “Esta mensagem não é só para situações desesperadoras, mas também prazerosas. Não é só para quando estiver derrotado, mas para quando estiver vitorioso. Não só para quando for o último, mas para quando for o primeiro”.

O rei abriu o anel e leu a mensagem:

“Isto também passará”.

Novamente sentia a mesma coisa, o mesmo silêncio em meio a multidão que celebrava e dançava, mas o orgulho e o ego haviam desaparecido. O rei pôde compreender a mensagem. Tinha sido iluminado.

Então o velho homem falou:

_ Recorda-se de tudo o que você passou? Nenhuma coisa ou emoção é permanente. Como o dia e a noite, há momentos de felicidades e momentos de tristezas. Aceite-os como parte natural das coisas, porque eles fazem parte da natureza de sua vida.

sábado, 20 de março de 2010

Nossa ondinha

Atenção amigos violeiros, desafio a todos para um luau (ô, a gente vive numa ilha!) com farta trilha sonora de noites quentes e céu claro. Eu (revivendo) e Bela (descobrindo) Sublime desde janeiro tá muito bom e a gente quer dividir essa paixão de verão. Ouve essa versão de Rivers of Babylon, é das minhas preferidas. Aliás, o acústico (Bradley Nowell & Friends) é  tudo de bom.

Enquanto isso aqui na Terra...

Se não fossem o mar, a brisa, a paisagem de cinema, meus amigos, os da minha filha, minha família, meu canto, não acharia mais tão absurdo pensar em voltar para minha amada terra de ninguém. De vez em quando o vento trazia o cheirinho bom da maresia me chamava à Terra. Pensei que fosse surtar no inacreditável congestionamento da tarde dessa quinta-feira. Nunca imaginei levar duas horas e meia presa no trânsito de Floripa. Nem a respiração do yoga, nem minhas mais positivas telas mentais me salvaram do estresse coletivo que se materializou nessa cidade. E olha que o pior dia  (o do megatrânsito) é sexta, quando nem cogito cruzar a ponte. Mas é que eu fui levar meu pai ao tratamento dele. Do centro ao continente levei uma hora e meia, só na marcha lenta. Na volta recorri a caminhos alternativos para escapar do engarrafamento que começava já no túnel de saída da rua da casa dos meus pais, ainda na BR-101. Me senti em plena Marginal Tietê, exercitando todo o desprendimento que adquiri com relação ao meu precioso tempo quando não me restava outra postura. A vida na selva urbana educa a gente.
Da ponte percebi que o melhor seria chegar ao Itacorubi pelo Sul. Parada na rua principal do bairro, me distraio tentando relembrar onde ficava o clube local, o Limoense (já fui numa domingueira lá com a Gisa. Como a gente se divertia...). O papo de duas moradoras na calçada me arranca do transe e também assalta minha esperança. Percebo que não vou chegar antes das 19 horas no local pretendido.
 - Credo, morreu alguém famoso aqui do Saco, nunca vi tanto carro assim, só pode ser cortejo.
As duas caem na gargalhada e eu embarco no clima de piada. O melhor a fazer é rir, sabemos disso.
Olho para meu pai em busca de alguma cumplicidade, mas ele dorme o sono dos despreocupados. Já falei aqui nesse blog que admiro isso nos velhos, a total resignação. Pulo três músicas seguidas no CD e percebo no meu gesto frenético um sinal de que a paciência se esvai. Eject!
O próximo, por favor. Me vem Lenine com uma certeira: - Esse lugar é uma maravilha, mas como é que faz pra sair da ilha? É pela ponte, pela ponte.
Lenine, tá tudo trancado lá, rapá.
E ele responde em outro verso: - A ponte não é para ir nem pra voltar, a ponte é somente atravessar, caminhar sobre as águas desse momento.
Tá certo. Bora.

quarta-feira, 17 de março de 2010

É isso aí Pimenta!

Céu azul, verde mar


Onde vai despido das suas asas brancas que proporcionam voos pelos mais inimagináveis céus? Aquele azul celeste tão limpo. Chegou tão perto do sol que quase cegaram os seus olhos verde-mar, lindos de assustar, iluminando o sorriso alegre que traz a vida para o tempo que não pode mais esperar.
Do anjo sem as asas não procure o olhar, mesmo que muito queira um mergulho profundo naquele oceano de paz. É do saber dos anjos nada despertar antes da hora.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Que belo regalo

O pôr-do-sol no oeste catarinense by Marina Juvenardi

sexta-feira, 12 de março de 2010

Até mais, vai na paz


Vá em paz, que Deus conforte a tua família, que a paz e a serenidade estejam com eles na vida que segue. Contigo e com teu filho também, numa nova e rica existência.

quinta-feira, 11 de março de 2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

O efeito Avatar


Engraçado, Avatar não levou o Oscar de melhor filme e me parece, sem ainda ter visto o vencedor (Guerra ao Terror), ser a grande lição de vida e amor supremo. Mas não  é porque ficou sem a estatueta da Academia que Avatar deixa os méritos para qualquer outro filme da temporada. Pelo menos entre os que vi. Quando entrou em cartaz, li a matéria sobre a saga de sobrevivência dos Na'vi, de Pandora. A sinopse me encantou, mas meus olhos grudaram na foto do abre de página por causa do homem e da mulher azuis, com orelhas pontudas, quando aunciavam a entrada do filme em cartaz no Brasil. Adoro essas fantasias, brumas, cores, mágica que vejo desde muito frequentemente nos filmes da Barbie, com minha filha. Mas, com os requintes dos efeitos e da ficção adulta de James Cameron, certamente seria uma experiência incomparável. Demorei, só fui conferir isso ontem, abandonando quase tudo o que já tinha lido e ouvido sobre o filme.
Desci as escadas da sala de cinema rumo à porta de saída meio tonta, não só por causa dos óculos 3D, mas por todos os estímulos sensorias aos quais esse filme me submeteu. Ouvi que muitas pessoas se dizem "sob o efeito de Avatar" por algumas semanas, depois de assisti-lo. A sensação aumentada pela projeção em 3D é potencializada, claro, mas não sei explicar o que se passou comigo a cada frame dessa película. Diversas e intensas emoções, todas elas muito boas, prazerosas. O amor que mexe com os sentidos não é nem aquele ao qual estamos acostumados a ver nos filmes românticos, até porque Avatar é um filme de aventura. É algo muito maior, associado ao coletivo, ao mundo, ao que trazemos registrado na essência humana. Senti as energias que aquela corrente de gente azul movimentava, ligados à árvore, à terra para salvar uma vida, várias vidas, do seu povo e dos demais  habitantes de Pandora e, especialmente para vencer  as forças opostas com bondade, pureza, amor e respeito. Foi maravilhoso.
Nesta manhã de sol, ao caminhar com meu cão pela beira mar, inspirar o ar puro, olhar para o céu, admirar os pássaros, o verde ao meu redor, pude entender a mensagem de Cameron e de muito o que tenho lido e ouvido ultimamente. A esperança está na natureza e minha caminhada de hoje me fez perceber que estou e  quero permanecer sob o tal "efeito Avatar". Com a natureza trocamos energias, nos renovamos, ganhamos uma força incomum e imbatível. Uma nuvem de libélulas nos cercou até a ponta do trapiche. De lá, bem no meio do mar, vimos peixes saltarem em várias direções. O som das marolinhas batendo nos barcos, o mais belo mantra matinal que conheço, foi quebrado pelo farfalhar de uma rede sendo preparada para ir ao mar promover "a morte limpa" do peixe para o alimento do homem. Este que, no fim de sua existência, devolverá essa energia à natureza. Assim ensina o povo azul de Pandora, assim acredito que é.  

domingo, 7 de março de 2010

Uma mulher de sorte

Este lindo poema (Em sonhos) de Cruz e Sousa que minha filha copiou para me presentear já faz uns meses. Era para escanear para meus guardardos e também para postar no blog, mas fica como meu post antecipado do dia 8 de março. Dei o livro a ela no ano passado, da coletânea lançada em 2009. Vi que ela folheava Broquéis e, quando menos espero, me vem a pequena galanteadora com o poema mais bonito para mim, copiado por ela nesta folha. Confesso que me emocionou a identificação dele comigo. Ainda na escola, quando conheci a obra e a biografia do Cisne Negro, fiquei um bom tempo apaixonada por ele e pelo que escrevia. Sempre que posso, visito o museu lá no Centro da cidade e até chorei na cerimônia de repatriamento de seus restos mortais, que estavam no Rio. Lindo demais, obrigada minha filha. Sou uma mulher de sorte.

sábado, 6 de março de 2010

Mitos e verdades sobre o medo em La teta assustada

Realidade e ficção são receitas aplicadas pelo tio de Claudia Llosa em sua narrativa literária. Inspirada ou não por ele, o recorte dramático do período de terror no Peru dos anos de 1980 contado na história da misteriosa Fausta (Magaly Solier) rendeu à cineasta um Urso de Ouro, um Kikito e outros prêmios no ano passado. Me prendi à sinopse pelo interesse histórico e social no pano de fundo, na cultura e paisagem do Peru, mas a película me desvendou uma abordagem delicada sobre o medo e seus efeitos colaterais na psique. Ao mesmo tempo, La teta assustada é um filme sobre a superação da dor pela simples aceitação do afeto, da generosidade, das novas perspectivas. Também da queda dos mitos, superstições, ilusões. Além de exibir sobre a fascinante paisagem andina os costumes de um povo curioso, La teta prima pela exploração dos recursos de expressão. Fausta ouvia a mãe cantar sua desgraça desde o ventre. A pobre mulher entoa lamurosos cânticos pelos quais relata detelhes da violência sofrida, usando o olhar subjetivo da filha, de dentro da barriga. "Minha filha viu seu pênis me rasgar, me violentar", algo assim sai da sua voz definhada. Fausta acredita ter herdado o medo de ser estuprada do leite da mãe (por isso o nome da "doença da época" no Peru Teta Assustada) e, desde então, protege-se de possíveis violadores intoduzindo uma batata em sua vagina. A morte da mãe e sua obrigação em dar um jeito de sepultá-la rompe a bolha emocional que a aprisiona e Fausta descobre a vida, a liberdade. Magaly Solier também tem prêmio pela bela atuação, sem falar na perfeição de seus traços peruanos que muito lembram os da atriz brasileira Dira Paes, especialmente ao sorrir.      

Vida longa ao cinema em Santa Catarina

Encerrou ontem a mostra Brasil-Alemanha em Florianópolis e em outras cidades catarinenses por onde passou Diálogos em Cena, da ONG Comunica. Na platéia do Centro Cultural BADESC, esperei pelo lançamento da versão reduzida do documentário de Andreas Peter sobre a trajetória do maestro alemão Heinz Geyer em Santa Catarina, na cidade de Blumenau. O doc de Peter é uma grata surpresa para os que prestigiam a produção audiovisual brasileira e regional, que sabemos ser uma escolha para poucos porque exige dedicação, persistência, trabalho e amor. Os reais guerrilheiros (aqui temos muitos exemplares deles) das artes não desistem facilmente, aprendem a fazer de tudo, não se perdem nas etapas. Estão salvos de serem aventureiros (temos de lamentar por esses) em incursões vaidosas por esse universo fascinante, fazendo mau uso dos recursos públicos e privados que conseguem por leis de incentivo ou em concursos dos editais públicos.

Retorno ao momento em que a idealista e realizadora Kátia Klock (diretora de outro imperdível documentário de 2009, Sem Palavras, sobre a repressão aos imigrantes alemães e seus descendentes em Santa Catarina durante a Segunda Guerra Mundial) encerra seu relato sobre a mostra que incluiu o audiovisual no calendário cultural de celebração dos 180 Anos da Imigração Alemã em Santa Catarina, apoiado pelo Funcultural. Ela conta que percorreu um roteiro com cidades onde não existem salas de cinema, a população sem DVD fica à margem do que a TV aberta não exibe, sobretudo do que é produção de catarinenses abordando sua cultura, sua gente, sua história. A tela se abre e o que vemos ainda não é o lançamento da noite, mas um exemplo do que os catarinenses, os brasileiros e todos os contribuintes que investem nos produto cultural local, regional e nacional merecem ter acesso por meio de mostras gratuitas e programas de exibição e distribuição do audiovisual no Brasil. A professora em uma comunidade alemã, documentário com ficção escrito e dirigido por ela mesma, a professora, a personagem de uma história comum em cidades do interior desse Brasil e de interiores de muitos outros países. Irene Rios da Silva é interpretada pela filha, que ainda era um bebê quando a mãe aceitou o desafio de lecionar em São Pedro de Alcântara, a primeira colônia alemã de Santa Catarina. Não há indicados ao Oscar de melhor interpretação nesse filme, nem de melhor roteiro, nada disso. Mas há um quesito de grande valor sócio-cultural no que vimos: a história de como se construiu uma geração de cidadãos nesta pequena e singela cidade catarinense com a esperança dos imigrantes. Irene passou a primeira noite na cidade com o marido dormindo numa cama improvisada com as carteiras escolares, pois não havia transporte nem para a localidade onde ia "ensinar o português" aos pequenos descentedentes germânicos. Isso foi até ser acolhida por um casal de colonos que vivia próximo a escola (eles participam do documentário). Os depoimentos dos ex-alunos são de pura gratidão, refeltem o confronto entre o que a vida promete, quando somos crianças e jovens, e o que de fato oferece. Transparecem o orgulho que os imigrantes alemães e seus descendentes têm de falar de suas origens e do que construíram. O doc da professora Irene poderia ter sido um livro, afinal ela tem títulos lançados, mas quis experimentar a linguagem audiovisual, transformar um simples enredo da velha batalha pela educação no Brasil em arte para a reflexão e para auto-estima de uma gente que "quer se ver" ou ser reconhecida pela lente do imaginário.

Igual mérito se deve atribuir ao resultado de Andreas Peter ao debruçar-se sobre a vida do maestro alemão adotado pela maior e mais importante colônia catarinense, a de Hermann Blumenau. Heinz Geyer ganhou vida em uma animação que dialoga com as (raras) imagens em preto e branco que o diretor selecionou para remontar cenários de um passado de glórias na arte, de tristezas causadas pela guerra e pela repressão e pelo descaso recorrente com as relíquias, abandonadas pelo presente. Depoimentos de músicos que Geyer lapidou, momentos de glamour no Teatro Carlos Gomes, incenações dos pensamentos e aspirações de um gênio da música clássica, mais uma história de imigrante, com todos os ingredientes conhecidos (sangue, suor, lágrimas de vitórias e frustrações) nos levam a crer que a arte é viável. Que não se desiste, se resiste, em nome de algo muito maior. O doc Maestro Heinz Geyer trouxe para o conhecimento dos catarinenses, brasileiros e estrangeiros que ainda o assistirão em mostras e festivais (vamos torcer para isso!) não somente um capítulo brilhante da cultura catarinense, na cidade de Blumenau. Ele destaca dos amarelados, empoeirados e raros arquivos históricos remexidos por Peter a ópera assinada pelo maestro sobre a catarinense heroína de dois mundos, Anita Garibaldi, e sua saga ao lado do amado Giuseppe na luta pela liberdade para além de sua terra-mãe. Talvez muitos saberão dessa missão de Geyer ao Sul de Santa Catarina, no anos de 1960, para registrar e tornar de domínio nacional um fato de suma importância da história dessa Santa Catarina que o acolheu, ao ver o documentário do catarinense Adreas Peter. Enquanto a indústria de blockbusters tenta encontrar sua salvação, roteiros reais em pequenas produções alternativas parecem inspirar os festejados diretores da Academia. Assim como a judia sobrevivente do massacre nazista na Alemanha no filme de Tarantino (Bastardos Inglórios) incendeia (em um ato de vingança premeditada) a arte que a salvaria das cruéis lembranças de seus algozes, o maestro Geyer queimou todas as suas partituras antes de morrer. Nada deixou escrito para a posteridade, tamanha sua mágoa pelo desfecho que sua carreira teve, por ver desavalorizada a mais importante regência de sua vida, por terem lhe roubado o mais caro objeto de sua existência: a arte de encantar pessoas com a música.
Vida longa ao cinema, inspiração e perseverança dos realizadores. Lucidez aos gestores públicos e privados da cultura em nosso estado e em nosso país!