domingo, 3 de outubro de 2010

O tempo é rei

Gil tem fama de falar, falar e nada dizer. Ontem ouvi dele as palavras de sabedoria maior em todos esses anos de Refavela no meu top hits. "Minha música não tinha nada a ver com aquilo, era um om", desculpou-se ao confessar sua inadequação ao novo, que era a Tropicália. Também soltei gargalhadas com Chico (Buarque) dizendo que não lembrava de ter aderido ao figurino exotic dos novos baianos e agregados nas ditas reuniões de organização do movimento que quebraria com a ordem vigente dos músicos populares brasileiros porque foi a todas as reuniões bêbado. Aí concordava com tudo e depois não conseguia se livar do "velho" que habitava seu corpinho de 23 anos, trajado de smoking nos festivais da Record.
Na fileira que ocupei, buscando exclusividade, somente sentaram dois sujeitos que, como eu, riam sem parar a cada depoimento dos artistas como Caetano, Roberto Carlos, Edu Lobo e outros. Não era somente engraçado o figurino (o vestido de Cidinha Campos rosa pink e verde chuchu e a camisa branca de babados rococó de Roberto Carlos pronto pra cantar um samba) e sim as respostas monossilábicas e lisérgicas dos entrevistados. Aí apareciam os velhos cansados de guerra no presente, avaliando seu passado. Gil comenta que nada pode ser mais engrandecedor do que o amadurecimento, Chico ri de sua timidez disfarçada pela caretice que ditava seu visual no palco, diferentemente do que acontecia nos bastidores. Edu Lobo meio descontente com o que não viveu, invejoso dos novo baianos, também disse ser uma artista fora dos padrões da época. Verdades necessárias como essa de Caetano "Queria me livrar de Alegria, Alegria como Chico se livrou de A banda" são pertinentes. Assim como admitir que, mesmo quando era mocinho, a noção do ridículo existia para alguns. Caetano conta que ficou do hotel na Brigadeiro Luiz Antonio com Nara (Leão) vendo a passeata contra a invasão da guitarra na MPB como se aquele fosse um verdadeiro ato fascista. Aos 66, bem mais apresentável, ele sente saudade da disposição, apenas. Mas cá entre nós, Caê é mais bonito agora.
Esse foi o documentário imperdível Uma noite em 67, que assisti numa sexta de muita chuva e vento no cine Paradigma, meu novo admirável espaço de entretenimento. Os meus colegas de fileira, que como eu choraram de tanto rir ao longo da exibição, na saída quiseram deixar registrada a reação diferente da que o restante da platéia jovem, admirada a cada imagem em os astros dos festivais concedem entrevista com um cigarro aceso nas mãos, expressou. "Cara, a gente tava nesse show do clube doze em que o Gil foi preso." Abraçados, emocionados, seguiram porta afora, caminhando contra o vento.