terça-feira, 13 de abril de 2010

Mulher necessaire

Só leio matérias de saúde e beleza nas revistas femininas em consultórios e, graças a Deus, minha visita a eles é somente duas vezes por ano, para as revisões necessárias, tirando aquelas regulares ao dentista. Acontece que nesse ano me aconteceu o inexplicável: um dente de leite resolveu dar espaço ao permanente e umas espinhas me fizeram ficar com cara de adolescente aos 38! Ainda bem foram panes temporárias, fáceis de resolver. Embora algo de fato tenha mudado a minha vida.
Não leio mais aquelas matérias só na revista dos outros, comprei uma revista feminina por causa de uma manchete do tipo "20 truques para sua pele ficar linda até os 60". Tudo culpa do dr. Nilson, o dermatologista que cuida de algumas colegas de trabalho a quem recorri quando precisei de um expert em pele boa, já que a minha tez de jambo, tratada a água fria, demaquilante, líquido adstringente no verão e nada mais de frescura, andava querendo me puxar o tapete. A mais vaidosa das minhas colegas sacou a necessaire de três andares, que não sei como cabe dentro de suas bolsas, e começou a me mostrar um creme para noite, outro para o dia, outro pra tarde, uma máscara disso, um ácido. Ácido? Tá maluca, garota? Isso tudo ficava no andar térreo da bolsinha de artigos de uso diário dela, onde carrega seus segredos de beleza, muitos deles manipulados de acordo com as receitas do dr. pele boa. No segundo andar tinha cremes para as mãos, pés, desodorante com perfume e sem perfume, umedecedores de cachos (disso eu gosto, os meus são meio rebeldes dependendo do dia) e o terceiro andar era de maquiagem. Até desanimei, haja dinheiro para investir nesse arsenal e tempo para aplicar tudo, na hora certa. Mas vamos lá, pode ser que o meu caso não seja para tanto. Afinal, sempre ouvi dizer que peles morenas e negras, por causa da maior dosagem de melanina, estão protegidas do envelhecimento e não exigem os alardeados tratamentos preventivos. Pois foi só eu pensar em argumentar, que o dermatologista, antes mesmo do diagnóstico, disparou à queima roupa: - Olha, as peles morenas como a sua, por causa da melanina em maior quantidade, são ainda mais sensíveis ao sol, podem manchar com mais facilidade, sobretudo quando estiver com uma espinha ou cicatriz. Bom, como o problema era passageiro (apenas um quase revival do que nem experimentei no auge da idade reagada a hormônios) e não tenho cicatrizes (nem espero ter) continuei convicta. Ele notou, mas concluiu seu trabalho.
Desfiou um rosário de recomendações sobre as camadas de gel, cremes e outras melecas que eu teria de aplicar no meu rosto diariamente e, de quebra, desmitificou a proteção que eu achava que tinha contra o envelhecimento, com minha pele moreninha, com mais melanina que a dele e das minhas amigas seguidoras de seus tratamentos. Foi então que o cruel especialista desferiu o golpe de misericórida. Estendeu a mão com a receita, incluindo um tratamento antiidade (como se isso existisse. O único antiidade que conheço é a morte e eu quero mais é viver até uns 80).
Ainda fui repreendida:  - Esses tratamentos começam até antes mesmo dos 30. Ah, deixa pra lá, não vejo rugas agora em mim e não me importo com as que terei quando a vida achar que devo. Na verdade, acredito mesmo na teoria da melanina do bem, que o dr. não me ouça. Saí do consultório com uma receita de uns quatro cremes, dos quais só comprei e uso o que me tirará da adolescência tardia. Definitivamente não estou pronta para administrar uma necessaire de três andares e adoro lavar meu rosto com água bem gelada (vi isso uma vez em um filme francês quando tinha meus 20 anos e desde então é minha receita) faça calor ou frio. Além do mais, aposto na boa alimentação, no bom humor e na felicidade para ficar com a pele boa.
Para variar, a manchete que me fez comprar a tal revista feminina era enganosa, a matéria inconsistente, meramente vendedora de marcas e tendências da indústria de cosméticos. Não se aproveitava praticamente nada do conteúdo, que mais parece o de um catálogo. Admito que comprei por impulso, ou essa leitura é para ser adquirida somente em ocasiões especiais (mais emergenciais do que especiais) como aconteceu comigo. Sei lá, deixa para as editoras descobrirem. Como não foi dessa vez que não entrei para o segmento mulher-necessaire, permanecerei fora do target.