terça-feira, 8 de novembro de 2011

Nós três em: O passado nos redime

Por que levamos pelo menos 30 anos para começar a dizer "eu te amo" para os amigos? Por que também precisamos de tanto tempo para confessar os segredos guardados a sete chaves nos cofres da infância adormecida? Acordamos sobressaltados aos 40 anos, eu, Iramaia e Charles feito tivéssemos 10. Faltou a Renata para reconstruir a trama, mas sigamos assim mesmo. Estamos em um café, os três, enquanto minha filha de nove anos desenha no papel sobre a mesa, no cantinho. Tudo começa no presente, os filhos que tivemos, que não tivemos, os trabalhos que fizemos, que não fizemos, os sonhos realizados e os jamais levados adiante, os discursos superados, ultrapassados, as manias acentuadas e tudo parece mais hilário do que trágico. Isso é bom. Mas por que? Perco o fio da meada para dar alguma atenção a quem nada entende do que estamos ali falando e nem parece se interessar. Minha filha gosta dos meus amigos de infância, de me ver com eles, mas não entende como podemos achar graça de algumas coisas tão bobas que vivemos juntos. Perfeitamente compreensível. Quando minha mãe me contava sobre ela e sua amiga escondidas no porão da casa da vovó amassando tijolos para fazer o blush que lhes coraria a face e, depois, apreciarem o movimento  no portão do casarão de Jacarepaguá também achava bobo. Para cada época um espírito, uma ousadia, um valor. Já que nada a consola, a não ser os lápis de colorir, os carimbos, o papel e o seu petit gateau volto para meu reencontro com o passado mais doce, o das minhas saias de pregas azuis, das meias brancas 7/8, camisa de alfaiataria e gravata azul. Meu primeiro uniforme escolar em terras catarinenses era assim. Quando eu, Maia e Charles nos conhecemos o figurino começava a mudar, na quarta série eu e Maia sonhávamos com as saias em modelo tubinho, do mesmo tecido azul e as camisetas de malha, sem gravatas.
Nos amávamos, isso era fato. Mas tínhamos uma relação dupla. Deixa eu explicar melhor: Charles amava Tiane e Maia, mas as duas disputavam a amizade dele e tudo mais ao seu redor. Então, Charles era o melhor amigo de Tiane, para ela. Era o melhor amigo de Maia, para ela. Veja só: fui descobrir que os dois passavam tardes divertidas iguais as nossas somente agora! Achei que aquilo era só meu, ora bolas. Mas também fiquei feliz ao saber que Maia me admirava tanto quanto eu a ela. Sim, claro que fizemos várias confissões naquela tarde de domingo, clamando por café com creme, em vez de refrigerante. Incrível, a menina que eu achava a mais bonita da escola, com seus longos cabelos loiros iguais aos da minha Susi preferida sonhava em ter os meus cachos negros balançando sobre seus ombros. E por que nunca dissemos isso uns aos outros? Por que não passamos os três juntos as maravilhosas tardes de brincadeiras e lanches, confissões e estudos? Meu amigo Charles nunca saiu da minha vida, até foi padrinho do meu casamento. Ligou no meu aniversário todos os anos, inclusive quando eu vivia em São Paulo. Que Maia não sinta ciúme nessa hora (até porque ele pode e deve ter feito o mesmo para ela) mas tenho de agradecer por ele ter cumprido a promessa que fizemos um dia, ainda meninos, no pátio da escola: - Nunca vamos nos separar! Me perdoa, Charles, por todos os anos que não lembrei do seu aniversário. Maia, linda e risonha, a minha boneca com vida, me perdoa pela traquinagem com os cabelos da Susi na sala de aula. Aquilo foi ciuminho, invejinha, coisa de menina moleca, imatura e insegura. Tudo foi e o que ficou é o melhor que temos, a nossa amizade e o carinho um pelo outro. Se Deus quiser estaremos juntos até o final dessa vida e nos encontraremos em tantas outras. Prometo um novo post sobre nós três dentro de dez anos. Até lá espero termos o paradeiro de Renata para puxarmos uma cadeira a mais na mesa do café. Aí eu conto onde ela entra nessa história. O Charles vai adorar! (isso é, ainda, resquício de crueldade pueril).